26 junho 2006

Namoradas das docas

Hoje é 12 de junho. Convencionado por nós como dia dos namorados. Vou me arrumar, escolherei a roupa mais ajeitada do meu armário e irei para rua pegar um táxi.

Farei um sinal e pedirei que o motorista me leve até o cais do porto. O trajeto é longo, pois moro do outro lado da cidade. Inevitavelmente a conversa será sobre o dia de hoje. O motorista irá reclamar de toda idéia de consumo por trás da comemoração e dirá que não fará nada de especial com sua mulher; vai me contar que prefere tirar esse dia para trabalhar, já que muitos namorados sairão nessa noite. Vou tentar ficar calado e deixar ele falar durante os vinte minutos do percurso, mas será inevitável a minha mudez porque, com certeza, ele perguntará o que vou fazer na zona portuária num dia como o de hoje. Terei que explicar que vou fazer umas visitas às minhas namoradas das docas. Já vejo sua estranheza com a minha resposta; e depois disso ficaremos sem trocar uma palavra até a hora de lhe pagar a corrida.

Primeiro irei visitar Lucinda. A polaca dos olhos verdes e cabelos ruivos como fogo; ardor na cama. Para ela comprarei um cartão e que ela irá guardar em seu criado-mudo, junto aos cartões dos anos interiores que ela lê todos os fins de noite, como me confessou na semana passada. Tomarei um drink no bar do prostíbulo com ela e trocaremos poucas palavras. Depois levarei ela pelas mãos e como um casal de noivos vou carregá-la para entrar no quarto no fim do corredor escuro no segundo andar do sobradinho. Ela irá arrancar as minhas roupas e me jogará na cama. Lembrarei que tenho que lhe entregar o presente, ela passará os olhos pelo cartão colocará ele de lado e me beijará com todo fervor. Olharei o relógio na parede e descobrirei que o encontro será muito rápido; terei que sair para o segundo encontro em três quartos de hora. Chegarei ao orgasmo enquanto ela me prende em suas pernas brancas e sardentas. Vestirei-me e darei um abraço forte dizendo que irei voltar em breve. Aproveitarei e deixarei o dinheiro dentro de seu sutiã enquanto damos o último beijo.

Chegarei à rua e andarei por três quarteirões abaixo próximo ao bar dos estivadores.

Entrarei na casa de strip-tease e me encaminharei até os camarins. Lá estará ela, Eurídice, a deusa negra. Passista de primeira. Ancas largas, seios mínimos. Um doce de mulher, além de excelente cantora. Darei um beijo ardente em sua boca e entregarei a ela um sapato de cristal para ela brilhar na quadra da escola de samba. Ela não vai querer esperar um minuto para subirmos ao quarto. Antes de fazer seu show, ela me dará um particular. Cantará minha música preferida e enquanto eu estiver aplaudindo, cairá nos meus braços e afundará sua cabeça no meu peito dizendo que sentira falta das minhas visitas. Mais trinta minutos de sexo e tenho que sair o mais rápido possível, pois estarei atrasado. Porém ela conseguirá me convencer a tomar uma dose de uísque. O álcool subirá para a cabeça e começarei a andar meio torto.

Olharei o relógio da rua e apressarei meu passo.

Baterei à quitinete de Rosa. Tocarei a campainha insistentemente, pensando que ela deva ter saído por causa do meu atraso. Mas ao terceiro toque ela abrirá a porta, pulará em cima de mim e por causa da minha leve embriaguez quase que vamos os dois ao chão. Ela me puxará até a cozinha e me oferecerá uma batida que ela havia feito. Mais uns goles e direi que preciso tomar uma ducha. Irei ao banheiro e ela virá atrás de mim. Tirarei minha roupa e ela também; ela me abraçará e nós faremos sexo debaixo da água escassa que cai do chuveiro. Depois do banho tomado e dos espasmos molhados andaremos até a sala, nus, e conversaremos até umas 2 da manhã quando decido ir embora. Despeço-me e lembro de entregar as flores que comprei a ela, junto com algum dinheiro.

Pegarei um táxi e voltando repararei nos bares, restaurantes, cinemas e motéis. É certo que verei muitos casais apaixonados com flores, jantando a luz de velas, de mãos dadas, se beijando em bancos de praça e pensarei em quão tolo é isso. Por que fazemos todas essas coisas nesse dia? Por que os outros são diferentes? Uma coisa garanto: o meu com certeza será diferente.

3 comentários:

Anônimo disse...

tenho criticas... depois me pergunta que eu te falo...

Anônimo disse...

ah... quase esqueci de contar que liberei os comentarios la em coldlife...

Fernanda disse...

Esse negócio de "escolher uma identidade" me deixa confusa. São tantas&tantas opções!
Mas, então, eu ia dizer que a sua crônica demorou, mas, enfim, nasceu e, bem, se parece com você.
Adeus,