31 maio 2006

Amigo

Amigo, estava andando pelas ruas
e pensei em te encontrar
bater um papo, sei lá,
te chatear.
Você me entende, me recebe.
Rimos alto, falamos baixo;
segredos da vida.
Não brigue nunca comigo, amigo.
Se algum dia te disser
que o amor que tenho não é mais aquele,
simples afeto e carinho,
não se preocupe;
Ele virou amor de amante.
E, agora, é imensamente grande

Tornando inteligível

Eu tenho quase tudo,
mas me falta algo.
E isso que me falta
me deixa sem nada.

27 maio 2006

Tartarugas

Andava eu pelas ruas despreocupado. Com o passo leve e ligeiro me peguei pensando em tartarugas. Bichos engraçados são as tartarugas, jabutis e afins. Quando nascem, já são velhas. Nunca vi um filhote de tartaruga como um filhote de cachorro, gato, ou quaquer animal de outra espécie. Elas não têm a intensidade dos outros. São lentas desde o nascimento, têm um espírito manso como dos velhos. Isso me fez pensar em outra coisa, as tartarugas conseguem viver por mais de cem anos por causa dessa maneira de levar a sua existência. Ao viver assim devagar elas carregam um outro tempo, diferente do nosso. Eu, por exemplo, sou ativo e elétrico. Pés desesperados quando se encontram parados, braços agitados e boca falante. Vivo nessa velocidade porque não quero levar a minha existência por muito tempo. Isso, é claro, se a minha pequena experência em pensar em tartarugas tiver algum fundamento. Quero viver a cada vão momento, como disse o poeta, e o mais rápido possível. Morrer aos sessenta para mim estaria de bom tamanho, medida precisa de tempo contado de passos, risadas, amores e dissabores.

25 maio 2006

6 x Vinicius

como a batalha (quase uma guerra) para ecrever algo com recortes de poemas e escritos de Vinicius de Moraes não acaba nunca resolvi colocar apenas um poema que gosto muito. Esse poema é declamado no filme Vinicius pela Maria Bethânia.

Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor... não cante

O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Rio de Janeiro, 1951
in Novos Poemas (II)
in Livro de Sonetos
in Poesia completa e prosa: "Poesia varia"

20 maio 2006

Novela de cavalaria

imaginava, eu-cavaleiro cortejando donzelas. debaixo de uma armadura reluzente em cima de meu cavalo branco, forte. lutar contra dragões e acordar as damas adormecidas em suas torres. altas torres cercadas de espinhais. machuca às vezes, mas quem disse que amar não vale a pena? vou atrás de aventura por florestas e brumas em busca da salvação. santo graal que me levará aos céus. carrego a cruz no meu escudo que irá me proteger. proteger o meu senhor que me dá abrigo. senhor de muitas terras, extensas terras que vão além da nossa visão. brasão e nome, carregarei a tradição para poder mostrar minha bravura.

19 maio 2006

Tuberculose

tosse tosse tosse
isso me motivou a entrar em um mundo novo
vou me arriscar pela poesia
tosse tosse tosse
doença de escritor?
não, não sou escritor
só me arrisco a escrever algo
isso de tossir me deu inspeiração
tosse tosse tosse
não consigo controlar nem métrica nem rima
meu poema é disconjunto e tísico
tosse tosse tosse
forma e técinca eu abdico
não sei dessa coisa de escrever
nem sei o que é o amor
e nem sei o que é o ódio, também
tosse tosse tosse
não quero ficar num quarto fechado
quero sair e ver o sol
tosse tosse tosse
quero expelir o que sinto, vejo e respiro
tosse tosse tosse

17 maio 2006

Diálogo

: 1, 2, 3, 4, 5
: porque você gosta tanto de contar números?
: porque tudo se traduz em números, assim tudo fica mais racional
: pra que pensar tudo racionalmente? experimente fazer igual a mim e conte palavras
: como assim? contar palavras?
: sim, isso mesmo. ecrever para mim é contar palavras.
: mas contando você não escreveria algo muito racional?
: não. assim eu viajo e não sigo rumos, abstraio.
: ainda prefiro contar números e continuar racional
: mas isso é muito sem graça você fica reto
: as estradas retas me agradam
: prefiro não ser reto. gosto de curvas
: das curvas eu gosto também
: então, tente
: não, não quero
: é simples por que não tenta?
: tente você
: pra que. já chega esse mundo com formas quadradas
: mas a Terra é redonda
: mas o pensamento de quem mora nela é quadrado
: inclusive o seu. a sua intransigência é muito pior que meu pensamento
: eu não sou intransigente
: claro que é
: me mostre?
: te mostro por a mais b que isso é verdade
: então me mostre. quero ver se esse seu pensamento matemático consegue explicar tudo
: então tá
: então comece, ou por acaso você terá que teorizar sobre a minha suposta cabeça dura?
: não é bem assim
: então porque nós discutimos tanto?
: deve ser porque os dois são cabeça dura
: eu não sou
: e eu também não
: como assim, você acabou de dizer que é
: eu não disse nada só pensei na possibilidade...
: está vendo. o seu método não diz nada, você quer tornar tudo absoluto com suas fórmulas prontas e agora está supondo
: tudo bem, admito, nessa eu perdi, meu amor
: viu, a abstração é o caminho
: mas ainda vou contar meus números
: se assim queres
: 2510, 2511, 2512...

16 maio 2006

Desfile das Letras

quero escrever sem interrupções um texto sem paradas que verbo que se movimente com tal velocidade quero a harmonia na sua evolução enredo samba na passarela em busca da apoteose quero fantasia e luxo nos seus verbos no que leva e sonoridade batida de uma bateria que façam dar um ritmo mestres e salas com suas portas e estandartes a rodopiar palavras que carregam o pavilhão do que escrevo os vocativos puxadores levando o samba para a avenida um desfile linha reta direta sem espaços desfile eterno sem tempo para acabar e muitas palavras para sambar

14 maio 2006

A nossa estrela vai cair

Quando era criança adorava olhar para o céu procurando cometas para fazer-lhes pedidos. Acreditava que os pedidos ficariam vagando no espaço e todos os meus desejos fossem levados à outros planetas e galáxias. Mas hoje lendo o jornal descobri que os cometas também morrem. Essa pode ser a última vez que o cometa 73P/Schwassmann-Wachmann 3 passe próximo a Terra e seja visível para nós.
Será meu último pedido para esse cometa, que não sei se ainda carrega alguns dos meus desejos. Quando, nessa noitem, eu olhar para cima e ver essa estrela que vaga pelos céus vou pedir para ele que todos os meus pedidos caiam sobre você.
Porque contigo tive os melhores momentos da minha vida. E agora que meu tempo está perto do final quero que minha vida fique com você. E como o cometa, que agora virará poeira cósmica e ficará para sempre eterno no espaço sideral, quero ficar para sempre nos seus pensamentos. Minha vida se esvai e só me restará o pó também.
E assim como o cometa a estrela do nosso amor vai cair e iremos para eternidade indo contra o tempo e fique presente em todo o espaço de sua existência. E quando chegar a hora da gente se reeencontrar que outro cometa desapareça e os meus pensamentos fiquem na Terra e a gente terá a eternidade para viver.