30 novembro 2006

um pássaro pela noite

Acabara de sair do banho. Ainda com o corpo úmido e sem a toalha, a morena mantinha a janela do seu quarto aberta para refrescar o calor do verão de Belém. Era a mulher mais linda da cidade. Era nova, mas tinha um quê especial de mulher. Encantava a todos os homens da cidade e de outras, já que era modelo e suas fotos estavam estampadas em uma série de outdoors pelas ruas da região metropolitana de Belém. Era garota-propaganda de uma confecção de biquínis.

Enquanto enxugava seu cabelo escuro como o céu do norte, um pássaro vermelho entrou como uma bala pelo seu quarto. Ao bater o espelho caiu sobre o colo da mulher. A morena recolhe o pássaro nunca visto antes com as duas mãos e sente sua “quentura”. Aquilo a deixara abismada, um pássaro lindo e que lhe dava uma sensação estranha, aquele animal quente em suas mãos fazia com que ela também esquentasse. Mas não de um quente como o ambiente da cidade.

Colocou o pássaro sobre o seu peito e começou a imaginar algo erótico. Aquilo era estranho, mas a mulher entrou num transe e fazia do pássaro um homem. O homem que sempre esperou na sua vida. O homem perfeito. O pássaro se transfigurava em ser – humano, e ela o acariciava e tomava pelos braços. Agarrava-o junto ao rosto e o beijava como nunca beijara alguém antes.

Despida fazia com que esse homem explorasse seu corpo. Seus seios empinados, sua cintura fina, suas pernas bronzeadas e seu pé mínimo.

Subia pelo seu corpo e cada vez mais sentia um prazer nunca sentido. E era mais forte do que qualquer relação com qualquer outra pessoa. Fechava os olhos e via a floresta. Era um prazer de mato, selvagem. Ela gostava de ir para a floresta às vezes para ficar escutando os sons da mata: o vento que farfalhava as folhas; os animais em urros; e os pássaros em cantos magistrais.

Chegara ao ponto máximo. E foi como uma febre, o pássaro queimava em suas mãos. Estava desgastada, o pássaro acordara em suas mãos, e quando ela conseguiu abrir os olhos viu que o pássaro ficara azul. Ao virar-se para a janela para ver o céu estrelado, o pássaro salta de suas mãos e voa em direção ao firmamento escuro.

19 novembro 2006

deixei de ser gauche

quando me vi nos seus olhos
algo de bom me deu
de saber que eu não era esquerdo
saber que alguém gostava de mim
nos teus olhos vi meu reflexo
vi-me dentro de você
e assim soube que não era mais errado

veio um anjo loiro e me disse:
vai, Dionísio, deixe de ser gauche nessa vida!

12 novembro 2006

alcoólica II

parecia um casamento

e o uísque me derretia todo dentro do paletó

estava sério e sozinho na minha mesa enquanto as pessoas conversavam

uma menina entra pelo salão vestida de noiva

sim, eu conhecia aquela menina!

era minha filha que se casava

o uísque ficou suave e me fez lembrar da infância da pequena...

e ela era igual a mim

via no seu corpo a minha forma

era eu!

dei um abraço forte nela como se abraçasse um espelho

e me cortando o sangue que fluia dela era o mesmo que o meu

- e aí sogrão?

e o sonho se desfez!

alcoólica I

sobre a mesa copos de vários estilos e tamanhos

uns mais finos e altos; outros largos e baixos.

próximo a mesa, o bar

quantidade grande de garrafas de conteúdos diferentes

muitas pela metade

algumas apenas o cheiro de álcool no seu interior.

sorvo cada uma das bebidas

uso todos os copos da mesa

bêbado, sento na minha poltrona

esquálido, pálido, pasmo

fico vendo as sombras das garrafas e da minha mão

tremulas intermitentes.

me admiro, e ao fundo:

a televisão ligada no noticiário das 8.

07 novembro 2006

Microcontos

gostei da idéia de escrever em pílulas. quem sabe começo a escrever em biscoito da sorte de restaurante chinês barato...

Cinema de rua

Sessão prive às duas, em seguida sessão de descarrego.

Cuidado, menina!

Menina descuidada deixa levantar a saia quando o vento passa.

Vestibular

A, B, C, D, ou E?

Que bom seria se na vida fossem só cinco escolhas.

Velejador

Pra onde vou?

Estou sem rumo e os ventos vêm de todos os lados.

Homenagem ao concretismo

Primeiro passo: construa

Segundo passo: destrua

03 novembro 2006

o melhor amigo da família

chegou como quem não queria mais nada, somente um lugar para dormir e um pouco de comida. e foi ficando. os donos da casa tinham uma opinião divida sobre o novo hóspede. o homem não queria ele em casa, chega de vagabundos aqui! além das contas que não conseguiam ser mais quitadas. a mulher no entanto o amava e queria que ele ficasse, olhe como ele é bonzinho, meu amor? as crianças decidiram se o pobre poderia ficar em casa. destino: o coração mole do pai não agüentou o pedido dos meninos. tudo bem, mas ele fica aqui pela garagem e só! e não deixem ele chegar perto do meu carro! Último modelo, Scort, 93, vermelho e conversível. por ironia do destino o carro capotou e ficou destruído, nada aconteceu com o pai.

meses vivendo com o hóspedena garagem, outro acidente. agora, com o aquele que a mãe já chamava de filho, apesar de algumas contas dos meninos que mostravam que o hóspede tinha mais de 30 anos. o pobre estava pelas ruas, porque não tinha o que fazer durante o dia naquela garagem, quando foi atingido por uma moto! CRASH! deus-nos-acuda na casa. era a mãe correndo para a clínica em que ele fora levado e chorando, ele vai morrer... o pai com muita dó do pobre entrou com um empréstimo e o removeu para um hospital. graças a deus ele foi salvo! a mãe estava radiante e os filhos insistiam para que o pai recolhesse ele para dentro de casa, vai pai, pode acontecer isso de novo com ele. o pai aceitou de grado, eh! ele é bom companheiro!

foram anos de convívio. natais, férias, aniversários. e o hóspede envelhecendo, mais do que os habitantes. hoje, com mais de 90 anos, ele, que estava assistindo à televisão com os donos da casa, teve um ataque do coração que já estava fraco por causa dos pesados anos que se passaram. e os olhos tristes com que conquistou os corações dos moradores da casa, onde chegou como quem não queria nada, apagou-se. uma chama brilhou nos seus olhos e com a cara roxa deu seu último suspiro e morreu para desalento da família que hoje chora...