07 dezembro 2006

lavínia ao espelho

É estranho quando me olho ao espelho. Ao mesmo tempo em que acho que tenho formas exatas, sinto que sou feia. Sinto que sou duas. Esses meus olhos que vejo ao espelho não parecem meus. Eu não sou assim! Olhos claros e tão humanos como esses não são meus. Sinto-me mais selvagem às vezes. É verdade que também sou humana. Mas é algo confuso. Sou duas. O sexo às vezes me enjoa, mas o sexo muitas vezes sou eu. Sou eu me conhecendo. Tem dias que coisas simples, como o sorriso de uma criança, me fazem sentir bem. Assim como há dias que a alegria delas me enoja. É dessas de ser duas que me provocam uma angústia eterna. Será mesmo que sou Lavínia? Quando olho um camaleão mudando de cor me imagino como ele. Mas será que sou como camaleão? Não mudo para me disfarçar, não queria ser assim. Mas do mesmo jeito gosto do camaleão. Deve ser por causa das cores bonitas. Disso eu sempre gosto, nisso não sou duas. Cores bonitas, café sem açúcar e alguns brinquedos quebrados são meus gostos. Disso não há contradição dentro de mim. Sempre gosto de ir a parques de diversão abandonados. E fico imaginando quantas risadas foram desperdiçadas ali; parece-me que as pessoas ainda estão ali se divertindo. Lembro do meu primeiro beijo. Numa barraquinha de maçã do amor o gosto doce da boca daquele menino faz lembrar coisas. Gosto de vasculhar todos os brinquedos enferrujados e parados há muito. Roda-gigante, carrossel... Chego à Casa dos Espelhos e me miro. Sou duas, três, quatro, mil. Sou diferente a cada momento, difícil de entender. Sou selvagem, sou cândida. Sou Lavínia.

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